Terceiro post do destino Marrocos, escrito e vivenciado pela Lu Flor, nossa editora de destinos diferentes. Leia tudo sobre o Marrocos aqui.
Como comentei anteriormente, hoje contarei um pouco sobre uma cidade tão maluca que me deixou encantada: Fez.
Fez foi um dos destinos no Marrocos que mais me deixou ansiosa antes de chegar ao país. As expectativas em relação à cidade eram bem altas.
Para o povo marroquino, a barganha é parte da cultura. Uma frase que me falaram durante esta viagem e que me marcou: “Você, como visitante, tem pressa e está ansiosa em conhecer o máximo que puder. Já o povo daqui, passará o dia inteiro negociando, se for necessário. Você perderá 3 horas do seu dia negociando um souvenir? Bom, para o vendedor marroquino, 3 horas não é nada”.
Notei que no Marrocos, sua palavra e um aperto de mão tem mais valor do que um “papel”. Mesmo ciente disso, não negociei nenhum dos valores de serviços e reservas que contratei antes de chegar ao país. A barganha é livre, mas não achei justo nestes casos.
Chegamos a Fez de trem, conforme contei no último texto. Ao chegar à estação de trem na “nova” Fez, fora da Medina, tive minha primeira real experiência de “no Marrocos você precisa negociar TUDO”. Não contratei serviço de translado da estação ao nosso Riad, então precisei negociar com os taxistas que ficam na estação aguardando os viajantes para começarem a oferecer seus serviços.
Tahir, meu amigo, já tinha me informado qual seria um valor justo a pagar de táxi (Cerca de DHM 30-40) e isso nos ajudou e muito. Forneci o nome do Riad ao motorista e o endereço dentro da Medina, para que ele nos deixasse em uma das entradas, já que a circulação de carros é proibida e impossível dentro da Medina. Ao contrário do que esperava, foi incrivelmente fácil localizar nosso Riad, mesmo chegando à noite. Havia placas indicando qual rua estreita nos levaria ao nosso Riad.
O Ryad Alya foi paixão a primeira vista, ao abrir a linda porta de madeira entalhada com detalhes em ferro, foi uma sequência sem fim de “WOW”. Chegamos no início da noite e a iluminação deste Riad fez com que os detalhes do casarão se sobressaíssem. O charme e a elegância são indescritíveis.
Este Riad conta com apenas oito suítes, serviços de Spa e Hammam, um restaurante maravilhoso e atendimento impecável. O Ryad Alya foi nossa casa (nosso palácio) pelas três noites que passamos em Fez, e nós não poderíamos ter feito escolha melhor. Assim que chegamos, o Sr. Hassan, dono deste lindo Riad, nos recebeu com o famoso e tão esperado chá marroquino de menta, nos apresentou os salões, as dependências do Spa, nosso quarto e nos concedeu valiosas considerações e informações sobre a Medina.
Nesta primeira noite, desfrutamos de um delicioso jantar típico marroquino no próprio Ryad Alya. O jantar contou com três pratos: sopa de semolina, cinco tipos de saladas e o prato principal. Ao final, frutas temperadas com canela em pó e chá de menta. Tudo estava delicioso, mas a sopa foi o prato mais incrível! Uma das melhores que já comi. Após o jantar, procuramos o Sr. Hassan para buscar informações sobre o guia que pedimos para ele contratar quando chegamos.
Todos os dias, por volta das 22h, o silêncio tomava conta de tudo e já não se ouvia nem um passo nas dependências do Riad. Ficamos com a sensação de que na Medina existe um toque de recolher “não oficial” ou um pacto de silêncio imaginário, e que é respeitado por todos que estão lá, mas não é um silencio que incomoda ou que cause desconforto, é um silêncio que acalma.
No dia seguinte nosso guia nos aguardava na recepção do Riad. Ele nos explicou todos os principais pontos e nos perguntou quais os pontos que tínhamos mais interesse em conhecer. Após a breve explicação, saímos para explorar a área.
A Medina de Fez existe desde o século IX, e Fez El-Badi é divida em duas partes, Andalous e Kaïrouanais. Ainda dentro da Medina, no século XIII, foi fundada Fez Jedid e dentro dessa nova área, no século XIV, o bairro judeu de Mellah passou a fazer parte da Medina. Dentro de Fez existe um pouco de tudo: construções civis, militares, palácios reais, monumentos religiosos, madrasa, fondouks, fontes e como toda boa Medina, souks!
Fez é uma das mais extensas e mais bem conservadas cidades históricas do mundo árabe-mulçumano. Estar dentro de uma Medina permite vivenciar um pouquinho da dinâmica de um lugar como esse. Apesar de todas as facilidades do mundo moderno e das constantes mudanças de nossa sociedade, Fez consegue manter muitas das suas características originais, seu estilo de vida, cultura e arquitetura. Além disso, Fez é a maior região sem trânsito de veículos do mundo e Patrimônio Mundial da UNESCO desde 1981.
Fez representa para o Marrocos, o que Kyoto para o Japão: um centro espiritual e cultural.
Dentro de Fez El-Badi, encontra-se a mais antiga universidade do mundo ainda em funcionamento. O acesso é restrito e conseguimos apenas espiar um pedacinho do pátio a partir da porta de entrada da famosa Univertisy al-Karaouine .
Uma vez dentro da Medina, sem um guia, dificilmente você notará se está em El-Badi ou em Jedid. A melhor definição que encontrei para resumir a Medina de Fez foi “cidade-museu”. As ruas estreitas formam um labirinto e se perder faz parte do “pacote”. Se nosso guia sumisse, levaríamos anos para encontrar o caminho de volta, sem pedir ajuda. Visitamos algumas lojas, madrasas, museus, além da tradicional área das Tanneries (curtumes de couros).
As lojas da Medina possuem todas as riquezas produzidas pelas habilidosas mãos dos artesãos e são de enlouquecer até mesmo os mais moderninhos. Uma das visitas mais marcantes foi a uma loja de artigos de madeira. Estávamos seguindo nosso guia pelas ruas estreitas da Medina quando senti o perfume da madeira saindo de uma das portas. Perguntei se era uma loja e se poderíamos entrar para ver. A loja possuía todo tipo de objetos e moveis feitos com técnicas artesanais. De grandes moveis entalhados manualmente a pequenos souvenirs fabricados com perfumadas madeiras em marchetaria e aplicações em madre pérola. Impossível ficar indiferente a tanta beleza.
Bom, nossa primeira parada foi Bab Bou Jeloud, o portal azul da Medina (acima). Bab Bou Jeloud foi construído em 1913 e comparado à idade da cidade, este portal é novo. De um lado do portal ele é recoberto por um belíssimo mosaico em tons de azul, do outro lado há um maravilhoso mosaico em tons de verde. Nesta parada recebemos algumas informações de localização geográfica e sobre a cultura local.
Seguimos para a Madrasa Bou Inania. Esta madrasa faz parte do complexo da Universidade al-Karaouine (foto acima) e foi fundada no século XIV. Como o acesso às Mesquitas é restrito aos Muslins, as visitas às madrasas eram o mais próximos que poderíamos chegar de uma Mesquita. Assim como praticamente tudo que se vê pelo lado de fora, nas ruas estreitas da medida de Fez, a maior riqueza e beleza estão assim que você atravessa as portas de entrada, na maior e mais incomum madrasa de Fez não poderia ser diferente. Pisos feitos com grandes placas de mármore (ou mosaicos feitos deste material), mosaicos Zellij super elaborados, estuques esculpidos pelas habilidosas mãos dos artesões estão presentes nas paredes e nas colunas, lindíssimos tetos de cedro entalhados (também a mão) e verdadeiras obras de arte em forma de portas de bronze.
Nosso guia comentou conosco que a Madrasa Bou Inania (foto acima) era “única” devido às seguintes características: possui a estrutura de uma mesquita completa e não apenas de uma sala simples de orações, um belíssimo minarete de azulejos verdes e o mihrab (área que indica a direção de Meca) possui um teto e finas colunas de mármore e ônix.
Outra característica singular é que a Madrasa ainda está ativa (em uso) e aberta à visitação. A visitação somente não é permitia nas áreas utilizadas para fins religiosos. Os demais espaços estão abertos à visitação e são mais do que o suficiente para encantar qualquer um que tem a oportunidade de visitar este lugar. A visitação custa DHM 10/pessoa.
Seguimos para o próximo destino dentro da Medina: Fondouk el-Nejjarine (foto acima). Originalmente, no século XVIII, este prédio era um caravanserai (uma estalagem de beira de estrada em que viajantes podiam descansar antes de seguir) e hoje abriga o Museu de Artes e Ofícios de Madeira e está localizado na região do souk de Henna em Fez El-Bali. O museu abriga uma coleção bem variada de artigos de madeira que contam um pouquinho a história do país através de sua arte. Já na estrutura desse casarão é possível observar belíssimos trabalhos esculpidos em madeira. Em sua grande maioria, os artesãos marroquinos utilizam a perfumada madeira de cedro para realizar esse trabalho tão incrível, porém é possível encontrar no museu peças feitas a partir de carvalho, mogno e acácia.
Artigos e detalhes em madeira entalhada fazem parte da arquitetura marroquina tradicional e um forte aspecto da cultura islâmica. O conhecimento, técnica e habilidade são passados através de gerações e nos dias atuais ainda é possível encontrar nos souks artesãos desenvolvendo essa antiga e lindíssima forma de arte.
Exploramos os souks até chegar à região das famosas fabricas de couro. Fez é famosa pelo trabalho com couro e pela técnica utilizada. Os jovens trabalhadores fabricam couro utilizando os mesmos métodos há vários séculos. Nas proximidades já é possível sentir o forte odor de amônia proveniente dos tonéis cheios de uma solução a base de fezes de pombo. Outro odor muito forte é o de sangue que ainda está nas peles que ainda não foram processadas. Comentei durante a visita que imagino que este seja o cheiro da morte. O cheiro forte é de embrulhar o estômago. Peles de diferentes animais estão espalhadas pela região e estão em diversos estágios de processamento.
Com um ramo de menta nas mãos e segurando próximo ao nariz, entramos em uma das fábricas de couro da região e tivemos a oportunidade de avistar, da varanda, os trabalhos nos enormes tonéis. Avistamos alguns visitantes andando entre os tonéis, mas não pedimos para fazer o mesmo, da varanda é mais fácil de visualizar os diversos estágios do tratamento dos couros. Durante a nossa visita apenas cores neutras estavam sendo tingidas, mas dizem que quando estão tingindo os couros com cores vibrantes, o cenário é mais interessante e bonito.
Apesar de usar a varanda de uma das enumeras fábricas para observar este trabalho, você não é obrigado a adquirir produtos de couro. Caso queira adquirir artigos de couro, não se esqueça de barganhar e se divertir com a experiência.
A partir da região das tanneries fomos para a próxima Madrasa: El-Attarine. Em Fez há onze Madrasas e apenas algumas estão abertas a visitação. Então, não deixe de visitar, pois são muito lindas. Como comentei aqui, as maiores belezas arquitetônicas de Fez estão escondidas por trás dos muros e portas da Medina.
O caminho para chegar à Madrasa é pelo souk de perfumes e especiarias, e por estar localizada neste souk, recebeu este nome. Novamente, trabalhos de habilidosos artesãos decoram todo o local. Observam-se novamente lindíssimos mosaicos Zellij nas paredes e em alguns pisos, também pisos e mosaicos de mármore, uma belíssima fonte central no pátio principal, estuques e tetos de cedro esculpidos a mão. Nota-se novamente a presença de gráficos e inscrições em árabe gravadas nas paredes e colunas recobertas por estuques esculpidos. A Madrasa El-Attarine é um pouco menor que Bou Inania, porém tão lindo quanto.
A riqueza de detalhes e a mistura de tantas técnicas artesanais juntas soa um tanto exagerado, porém é um “exagero” que funciona, que se destaca e que encanta pela sua beleza.
Nosso encantamento com a arquitetura foi tão transparente que nosso guia nos perguntou se queríamos visitar uma fábrica de azulejos e mosaicos Zellij. Não pensamos duas vezes em aceitar a sugestão. Estávamos tão empolgadas para visitar essa olaria que nem perguntamos onde ficava.
A olaria, uma das maiores e mais famosas, fica fora da Medina e com essa escolha, deixamos de conhecer outros pontos de nosso interesse por falta de tempo. Desta vez, não houve arrependimento. Conhecemos todo o processo de fabricação dos mosaicos Zellij: da areia que dá origem a argila às impressionantes obras de arte produzidas pelos artesãos. Nesta fábrica funciona também uma escola de artes e os alunos aprendem ali essa impressionante expressão artística.
O material que produz combustão e mantém os fornos trabalhando são provenientes de outro tesouro do Marrocos: as oliveiras. As sementes das azeitonas, que para as fábricas de azeite é “lixo”, na olaria é o melhor instrumento pata manter os fornos trabalhando. Placas de 10 cm X 10 cm são queimadas duas vezes. Na primeira para criar a cerâmica e na segunda para receber a cor. Depois de prontas, são cortadas nos formatos que darão forma aos belíssimos mosaicos. Os artesãos que cortam as peças trabalham em posição de lótus e a cada 20 minutos fazem pausas. É um trabalho que exige muita atenção, precisão e acima de tudo, experiência, dedicação e habilidade.
Durante a visita, descobrimos algo ainda mais extraordinário que o resultado final: a maneira como os mosaicos são montados. O artesão recebe as peças coloridas e as instruções referentes ao tamanho e características do pedido. Em seguida, começa a montagem com as partes coloridas das peças voltadas para baixo! Sim, eles trabalham as cegas, apenas mentalizando as imagens que querem criar e lembrando-se das cores que estão sendo utilizadas para alocar as pecinhas nos locais corretos. É impressionante a concentração desses artistas.
Nesta olaria, além dos mosaicos de cerâmica Zellij, são produzidos mosaicos de mármore e belas peças de cerâmica que são pintadas a mão. As cores mais utilizadas são as cores de “Fez”: azul e verde. Certamente essa visita a olaria e poder conhecer mais de perto como são produzidos os mosaicos, foi uma das mais impressionantes e interessantes de Fez.
Finalizamos o dia no terraço do nosso charmoso e encantador Riad e fomos presenteadas com um dos mais belos por do sol que já vi, acompanhado do tradicional e delicioso chá de menta marroquino. Estávamos repletas de energia por tudo que vivenciamos naquele dia e decidimos acordar cedinho para ver o nascer do sol. O nascer do sol foi mais lindo que o por do sol, mas somada a minha falta de disposição pela manhã ao resfriado que estava querendo me derrubar, não aproveitei tanto quanto o por do sol. Acabamos voltando para dormir mais um pouquinho antes do delicioso café da manha que foi servido no terraço, antes de seguir para Volubilis e Moulay Idriss (Contei neste post aqui )
Ao final deste dia, saímos em busca do Palais El Glaoui. A luz estava ruim então não consegui boas imagens, mas aqui tem um post bem interessante com algumas imagens sobre o palácio.
Conheço muito pouco sobre a historia de Glaoui mas um amigo insistiu que a visita era imperdível. Este palácio não consta em listas de locais que “precisam” ser visitados em Fez, mas vale a visita. O local esta bem deteriorado pelo tempo, apesar dos esforços das 14 famílias que cuidam do local. Visitar esse palácio te dará a visão de como seriam os principais prédios visitados atualmente se eles não tivessem passado por restaurações. O palácio possui números impressionantes: 30 fontes, 17 casas, 2 hammams, estábulos, mausoléu, cemitério, garagens, jardins e um harem. Ha verdadeiras obras de artes que fazem parte da construção desse palácio e que se fossem restauradas, tenho certeza de que seria um dos pontos mais visitados da Medina. Mosaicos com padronagens únicas foram utilizados nesta construção e as cores utilizadas são bem raras. Na área de onde ficava o harem, ha janelas de cedro esculpidas e com detalhes pintados em lilás. Os tetos e cedro entalhados a mão também apresentam belíssimos desenhos. As visitas são guiadas pelo Sr. Abdou ou sua irmã, que nasceram no palácio e cuja família esta ha três gerações no palácio. Visitar este palácio custara apenas DHM 50/pessoa e você será guiado por aqueles que mantem o palácio e falam com muito orgulho e carinho de sua historia. Tahir, meu amigo, tinha razão em dizer que esta era uma visita imperdível.
Fez superou fácil todas as expectativas que eu tinha em relação à cidade. As riquezas culturais do local somada à gentileza e educação do pessoal que vive nessa charmosa cidade marroquina, conquistaram-me e fizeram com que eu desejasse voltar muitas outras vezes para explorar suas ruas estreitas e todos os locais que são símbolos da cidade e motivo de orgulho ao Marrocos, e que não tivemos a oportunidade de visitar durante os dias que passamos por lá.
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2 Comments
Patricia Rizzardi
13/08/2018 at 11:15Bom dia querida !
Adorei sua postagem sobre Marrocos !
Viajei só na leitura .
Pretendo ir à Marrocos em 2020 .
A grande motivação da minha viagem é conhecer as cerâmicas .
Observei q citou sobvre uma escola de artes .
Teria mais detalhes sobre esta instituição ?
Obrigada por todas as informações.
Vou repassar a minha filha q irá ano que vem .
Abraços , Patricia
Cinthia Ferreira
01/09/2018 at 21:14Oi Patricia, infelizmente não 🙁